Esta é a história da rolha…
… aquele inerte que em lampejos de crueldade me sopra ao ouvido murmúrios de tempos bons em que os devaneios térreos eram apenas capítulos secundários duma narrativa maior.
Num piscar de olhos, consigo estar lá, ai se o consigo! São retratos vívidos, arrepios que me percorrem as entranhas e fazem vibrar em sonoras melodias toda a matéria celestial da minha criação.
Lá, naquele tempo, não havia rolhas, a felicidade sem filtros, as amarras soltas daqueles seres errantes eram apenas o meu deleite celestial, não passava disso. No fundo da garrafa, a ilusão da felicidade eram apenas instantes, instantes toleráveis.
Depois, aqueles errantes lusitanos, rebeldes amantes de chouriças, ousaram, num pecado capital, dois séculos depois da minha benevolência os ter levado a conhecer mundo, criar as grilhetas da felicidade, aprisionar no fundo da garrafa a fuga das suas vidinhas concedidas por mim. Que traição, como ousaram pensar que podiam travar o tempo em tragos gorgulhantes sem consequências?
Dos meus sobreiros fizeram rolhas, e com elas a ilusão. Não meus pequenos seres, não! Vocês trairam-me. Eu decido a vossa felicidade. Não se enganem, não ousem o sacrilégio de pensar sequer na impunidade. Podem ficar com as rolhas, mas ireis ficar também, como penitentes que sois, com a ressaca.
Fim.